quarta-feira, 20 de junho de 2012

O homem de palha


O palhaço não tinha uma casa, não tinha família, nem amigos. Não tinha conta bancária, nem um automóvel, tampouco um telefone celular. Nada de computador, nem uma bicicleta, sequer óculos escuros. Máquina fotográfica? Ele não tinha. Camisa de time? Também não. Anel de prata? Tsc tsc. Necas de e-mail, Facebook e MSN. Isqueiro ele não possuía, nem boné, squeeze, calculadora. Nunca teve um MP3 player ou um piercing. Entre seus pertences também não constava pochete, relógio ou barbeador elétrico.
Mas ele tinha um kit de maquiagem. Não era aquelas coisas, mas dava pro gasto. E pintava sorrisos em seu rosto. Não ficavam lindos como os do Piolim ou do Arrelia, mas a molecada gostava. Nem todos, alguns. Servia pra esconder a feição que não era tão agradável. Feio? Sim, mas não horrendo. As marcas da vida eram o problema. Preocupação, tristeza, saudade, frustração. Ô vida amarga! Só mesmo com muita cachaça pra aguentar. E esse era seu passatempo preferido. Mas quando botava a máscara, saía de cena o homem de palha. Daí ganhava coragem.
Para encarar o mundo.
Gostava de fazer os outros sorrirem, apesar que nem sempre dava certo. Mas mantinha o empenho em cumprir a profissão que havia escolhido. Fazer rir não é tão fácil quanto parece, pô! Preocupação. Tristeza. Saudade. Frustração. Isso arranca à força a vontade de rir de qualquer um!
Quando era pequeno, o avô pintou seu rosto. Um dia decidiu reproduzir a pintura. Tomou pra si, pro resto da vida, fizesse chuva ou sol. O avô bateu as botas. Ficou com as botas dele. E também com as roupas, largas pelo excesso de massas: pães, macarrão, porpeta e toda aquela gostosura italiana. Fartura que lhe rendeu seus uniformes de trabalho.
Ele também tinha um diário. Velho, arreganhado, acalcanhado, amarfanhado. Amarelado. Nele registrava o dia a dia e as tentativas de fazer sorrir. E foi nele que escreveu a história do circo onde morava. Ô cirquinho chinfrim do cacete! As lonas tinham buracos do tamanho de sua boa vontade. O picadeiro estava em péssimo estado. E a arquibancada? Mirrada, miúda, minusculinha. E mesmo assim nunca ficava lotada. Só dava um ou outro gato pingado. Falando em gato... Eram os únicos animais que habitavam o circo, vindos da rua, sempre rodeando em busca de comida. O ambiente era decadente e a bonança já não comprava ingresso há tempos. E não se tratava de Bonanza, a mulher barbada. Essa aí a pneumonia levou. Coitado do seu marido. Aaron, o Anão. Destemido feito um... Galo?! Ficou num estado de dar dó.
Mas palhaço que é palhaço não desiste fácil. A lagriminha pintada no rosto serve pra lembrar. Tanta coisa já passou... O sorriso ainda é maior! Às vezes o nariz vermelho pesava, mas agora ele tinha amigos. Feios, sujos e, alguns, malvados. Preocupação-tristeza-saudade-frustração faze um mal danado. Mas eram sua família. A única que tinha. Não era uma família que esbanjava exemplos. Nem todos eram lá muito queridos. Marauder, o Mágico, vivia recluso com cara de boldo. Sorrateiro, ilusionista, trapaceiro. Só pensava em si. Da cartola só tirava benefício próprio.
O circo não aguentava o peso da própria tenda. Estava prestes a desabar. Era difícil saber por quanto tempo mais resistiria.
Preocupação. Até quando?
Tristeza. O que será de nós?
Saudade. E pensar que faziam filas enormes pra nos ver.
Frustração. Ninguém mais dá bola pra circo!
Ainda assim, o palhaço mantinha o sorriso. E está tudo lá, registrado no diário.
Na capa:
ESPERANÇA

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