O palhaço não tinha uma
casa, não tinha família, nem amigos. Não tinha conta bancária, nem um
automóvel, tampouco um telefone celular. Nada de computador, nem uma bicicleta,
sequer óculos escuros. Máquina fotográfica? Ele não tinha. Camisa de time?
Também não. Anel de prata? Tsc tsc. Necas de e-mail, Facebook e MSN. Isqueiro
ele não possuía, nem boné, squeeze, calculadora. Nunca teve um MP3 player ou um
piercing. Entre seus pertences também não constava pochete, relógio ou
barbeador elétrico.
Mas ele tinha um kit
de maquiagem. Não era aquelas coisas, mas dava pro gasto. E pintava sorrisos em
seu rosto. Não ficavam lindos como os do Piolim ou do Arrelia, mas a molecada
gostava. Nem todos, alguns. Servia pra esconder a feição que não era tão
agradável. Feio? Sim, mas não horrendo. As marcas da vida eram o problema.
Preocupação, tristeza, saudade, frustração. Ô vida amarga! Só mesmo com muita
cachaça pra aguentar. E esse era seu passatempo preferido. Mas quando botava a
máscara, saía de cena o homem de palha. Daí ganhava coragem.
Para
encarar o mundo.
Gostava de fazer os
outros sorrirem, apesar que nem sempre dava certo. Mas mantinha o empenho em cumprir a profissão que
havia escolhido. Fazer rir não é tão fácil quanto parece, pô! Preocupação.
Tristeza. Saudade. Frustração. Isso arranca à força a vontade de rir de
qualquer um!
Quando era pequeno, o
avô pintou seu rosto. Um dia decidiu reproduzir a pintura. Tomou pra si, pro
resto da vida, fizesse chuva ou sol. O avô bateu as botas. Ficou com as botas
dele. E também com as roupas, largas pelo excesso de massas: pães, macarrão, porpeta
e toda aquela gostosura italiana. Fartura que lhe rendeu seus uniformes de
trabalho.
Ele também tinha um
diário. Velho, arreganhado, acalcanhado, amarfanhado. Amarelado. Nele
registrava o dia a dia e as tentativas de fazer sorrir. E foi nele que escreveu
a história do circo onde morava. Ô cirquinho chinfrim do cacete! As lonas
tinham buracos do tamanho de sua boa vontade. O picadeiro estava em péssimo
estado. E a arquibancada? Mirrada, miúda, minusculinha. E mesmo assim nunca
ficava lotada. Só dava um ou outro gato pingado. Falando em gato... Eram os únicos animais que habitavam
o circo, vindos da rua, sempre rodeando em busca de comida. O ambiente era
decadente e a bonança já não comprava ingresso há tempos. E não se tratava de
Bonanza, a mulher barbada. Essa aí a pneumonia levou. Coitado do seu marido. Aaron,
o Anão. Destemido feito um... Galo?! Ficou num estado de dar dó.
Mas palhaço que é
palhaço não desiste fácil. A lagriminha pintada no rosto serve pra lembrar. Tanta
coisa já passou... O sorriso ainda é maior! Às vezes o nariz vermelho pesava,
mas agora ele tinha amigos. Feios, sujos e, alguns, malvados. Preocupação-tristeza-saudade-frustração
faze um mal danado. Mas eram sua família. A única que tinha. Não era uma
família que esbanjava exemplos. Nem todos eram lá muito queridos. Marauder, o
Mágico, vivia recluso com cara de boldo. Sorrateiro, ilusionista, trapaceiro.
Só pensava em si. Da cartola só tirava benefício próprio.
O circo não aguentava
o peso da própria tenda. Estava prestes a desabar. Era difícil saber por quanto
tempo mais resistiria.
Preocupação.
Até quando?
Tristeza.
O que será de nós?
Saudade.
E pensar que faziam filas enormes pra nos ver.
Frustração.
Ninguém mais dá bola pra circo!
Ainda assim, o palhaço mantinha o sorriso. E está tudo
lá, registrado no diário.
Na capa:
ESPERANÇA
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