terça-feira, 2 de julho de 2013

Bezerros









Domadores de bezerro da Islândia são bravos.
ainda não os encontrei
Até o nosso encontro, ficamos assim
vocês bravos
eu aqui, mansa.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Novo blog - crônicas

Amigos, criei um blog de crônicas:

http://incuravelcronica.blogspot.com.br/

Aceito comentários, críticas ou aspirinas.

Andre/.

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Embarque


Preciso de um banho
Para lavar esse ranço
Um banho que me ajude a lembrar
Que minha sujeira é compartilhada
Aturdida e ensimesmada que só ela
Ranço que me carrega
E tira meu umbigo da reta

Alguém aí pode me ouvir?
[silêncio]
Também pudera... Eu gritei
briguei ignorei menosprezei
O queixo mirava o horizonte
O peito-baiacu distanciava
As mãos esmagavam o ar

É, meu caro... Certezas minguam
Velhas bandeiras tombam
Carências se multiplicam
Verdades se distanciam
E o trem do dia a dia
Toma o seu curso
[fone de ouvido]

Hermético


Uma dúzia de passos me separa
Da negra calha que leva figuras
Rostos caçando fugazes canduras
Velho dilema que a mim se depara

Uma nova situação me encara
Observo inquieto pelas fissuras
Olhares que sempre evitam mesuras
O tapete de concreto me ampara

Pelo estigma pueril fui tomado
Cada passo urge pelo pé que ficou
Volto à toca do animal indomado

Omito o relato do que se passou
Antes disso, retorno cismado
Achando que bicho, eu é que sou.

terça-feira, 2 de outubro de 2012

Triste



                          Está tristonha.
                          Não.Estou Tonha.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Estranho momento.







Perdidos entre árvores gigantes
jovens japoneses vagueiam
a procura da morte.

Toca um celular.
É Jesus alegria dos homens.

Deixam tocar.
Não acreditam mais em planos divinos
ou aparelhos capazes de resgatar a natureza de suas vidas.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

Costura



                                         Elas eram assim
                                         grudadas.
                                         Agora
                                         estraçalhadas
                                         estão juntas  por um fio.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Poesias em sala


Reflexões sobre óculos


                                           
                                              Os que não querem óculos
                                              divertem-se com modelos flutuantes.




                                             
                                     26 anos depois
                                     de cantar com os Paralamas
                                     eu uso óculos
                                     e não danço mais.
                                   

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Imagem para poema de Francisco Alvim

                                       
                            Mas           


                                          
                     é limpinha

terça-feira, 10 de julho de 2012

Caro Senhor Vila-Matas,








Acabamos de nos encontrar no Museu de Arte de São Paulo. Ainda era cedo quando o avistei no Café junto aos seus anfitriões. Passei reto. Troquei o café e a proximidade com o escritor que tanto me intriga por uma visita a outro grande criador, só que esse um artista plástico.

Oswaldo Goeldi já morreu, mas enquanto por essas terras esteve usou tinta, madeira, carvão e nanquim pra nos contar de um mundo muito particular.
Mundo de coisas escondidas, de sombras materializan
do medo, de ventanias da alma, escuridões de dias e lugares secretos.
O mundo de Goeldi eram  ruas solitárias repletas de mortos vivos vagando por bairros inóspitos de grandes cidades.
Mas o meu encontro era com o escritor.
Devo dizer que já havíamos nos encontrado em 2010, em outro evento literário paulistano.
Gostei muito do que disse de seu jeito particular de comunicar-se, de seu personagem escritor.

Hoje também foi muito interessante a sua conversa. Mas devo confessar. O que mais me intrigou foi o senhor estar intrigado com um bairro de nossa cidade, Higienópolis. Aliás, para ser precisa, o que o intriga é o nome do bairro, Higienópolis. 
Achei graça do fato de que  o encontro com uma palavra composta tão esquisita e pomposamente possa despertar sua curiosidade.
Entendi que tal sentimento está diretamente relacionado 
as acusações que sofre de de inventar fatos, falas, frases inteiras que nunca, jamais existiram. Dar de cara com esse palavrão bizarro, Higienópolis deve funcionar quase como uma vingança literária.

Como manifestou desejo de saber mais sobre a região designada com esse nome tão particular , eu como moradora e sua leitora, vou aqui contar o que sei, o que imagino saber e até o que ainda não faço ideia, mas posso com grande coerência história, inventar.

Por essas bandas, no século XIX, resolveram se instalar os senhores fazendeiros de café. Gente que vinha do interior desse Estado e de Minas Gerais, com muito dinheiro nos bolsos e nos Bancos.
Tempos de fartura, de vontade de ser igual a burguesia Europeia, de viver como se vivia nas grandes cidades do outro lado do mundo.
E o dinheiro que circulava na época pagava por isso, pelo trabalho dos imigrantes recém-chegados da Itália, Espanha e Japão e por uma vida limpa, limpinha, com muita higiene e saúde.
O paraíso se fez: Higienópolis.
Em tempos de cólera, uma região que apesar de próxima ao centro da cidade, respeitava pressupostos modernos de urbanismo e saneamento. Uma grande área rural transformada em cenário do milagre do café.
O dono da terra tinha filhas. Colocou o nome delas nas principais ruas da nova vizinhança. Angélica, Veridiana, Maria Antonia.
Foram construidos palacetes respeitando os cânones da arquitetura do momento. Móveis, lustres, vidros, tapetes chegando ao porto de Santos, a preço de ouro, ou melhor, de café, o tesouro da época.

Pulo na história.

Higienópolis tem seus casarões demolidos e já na metade do século XX prédios modernos, altos e seguros seduzem a comunidade judaica que almejava morar perto de seus negócios, mas com muito conforto. Nascia assim, Higienópolis, o bairro dos judeus.

Mas eu não sou judia. Minha família veio da Calábria, não tão longe de sua Barcelona.
Cheguei à São Paulo na década de 80, vinda de uma cidade grande do interior de São Paulo, Campinas. Cheguei e por um acaso vim morar em Higienópolis, nome que demorei um pouco para falar sem tropeçar.
Depois de um ano, mudei-me. Foi ficando muito caro o aluguel no bairro de gente rica.
Agora, agorinha, acabei-me de voltar para cá. Não estou rica, nem o bairro ficou pobre, mas a vontade de minha família de morar em um lugar onde se possa caminhar, dormir sem barulho ensurdecedor, fazer as coisas básicas do dia a dia nas redondezas, foi grande o suficiente para conseguirmos sermos moradores diferenciados nesse bairro único.

Explico, ou melhor, preciso explicar o termo aparentemente deslocado, diferenciados.
Há um ano o governo do Estado definiu o lugar de uma nova estação de metrô na cidade.
Será nas imediações da Avenida Angélica.Lembra-se de que falei dos nomes das filhas dos Barões do Café em ruas e avenidas? Pois é. Na mais importante Avenida do bairro, uma estação de Metro.
Foi então, que a nossa poderosa TV Globo mostrou numa reportagem  a revolta dos moradores com uma estação de um transporte tão popular como o Metro (continue lendo tendo em mente a mentalidade tacanha da classe alta endinheirada brasileira) num bairro tão residencial. 
No meio da cobertura jornalística,
parece como em um pesadelo uma senhora elegante,protegida pelas grades de seu portentoso edifício, declarando que “com o Metro, Higienópolis seria tomado por essa gente diferenciada”. Leia-se: gente trabalhadora, estudantes, brancos, negros, bolivianos, indigentes, polícia, ladrão, travesti, puta. Rabinos, padres, gente, gente, gente como ela.
A história rendeu muito. Teve contra ataque. Acho que nunca mais a tal senhora saiu às ruas...

O fato é que agora moro em Higienópolis e sou alvo de piada dos amigos que não perdoam. Mas assumi. Sou diferenciada. Aqui hoje mora gente de todo jeito. Muitos artistas, jornalistas, escritores, coreanos, os judeus que agora são a velha guarda do pedaço e gente jovem a procura de sossego e inspiração.

Já tenho boas histórias para contar. A da filha que nem esperou o corpo da mãe judia esfriar e jogou tudo que tinha na rua, em frente ao apartamento em que morava; da torcida do Corinthians que na final da Copa Libertadores da América tomou as ruas de Higienópolis com fogos de artifício e muito barulho, do Shopping Center irregular, dos viciados em crack ganhando nossas ruas, de personagens saídos de um livro ainda e para sempre inacabado, Higienópolis.

Deixei meu endereço no meu cartão e o senhor deixou sua marca registrada, um desenho de um homem em poucas linhas, no seu, agora meu, livro.
Quem sabe ainda nos encontramos mais uma vez, aqui no meu bairro ou no bairro que o senhor certamente vai criar nas páginas de seu próximo livro.
E se precisar de inspiração visual, não deixe de visitar o Goeldi.

Um abraço,
Maria Antonia



sexta-feira, 22 de junho de 2012


                 Bloqueio crônico                                                             

         
         O relógio do computador marca 19 horas de um domingo. Somente 24 horas me separam da difícil tarefa de entregar a primeira crônica da minha vida. Sento-me para escrever, mas as palavras escapam cada vez que as jogo para dentro do monitor.
         Fico olhando o cursor piscando e barrando cada letra. Ele martela a tela branca uma vez por segundo como se estivesse me desafiando: - E aí? Vamos nessa? Esse pisca-pisca tentando dar um curso na minha conversa com o teclado me enerva sobremaneira.
         A cada letrinha que entra na tela, ele desaparece e surge novamente, como que a cobrar de mim: - A próxima!...A próxima! E assim a próxima palavra acaba ficando cada vez mais distante. Arrumo minha coluna no assento, torço o pescoço para um lado e para o outro, duas vezes seguidas, para liberar a tensão nos meus ombros. Aceito o desafio sim, seu filho da mãe!
         Sigo clicando e corrigindo os erros de concordância e os de digitação cada vez que aparece um ou outro.
         E esse maldito cursor que não para. Olho para o teto buscando a continuidade das frases e quanto volto a olhar para o monitor, lá está aquela barrinha, ou melhor, aquela verdadeira barreira preta piscando e bloqueando minha imaginação. 20 horas!
         Uma hora depois e mais duas torções com direito a uma cruzada das pernas em xis na cadeira, bato diversas vezes na tecla de tabulação tentando afastar a barra negra insistente. Não adianta! Só vou acumulando espaço pontilhado na tela branca e a mente continua em bloqueio total. E a ideia para a crônica? Vai sair ou não?
         Saio da sala para clarear a mente. Vou até a cozinha tomar um suco e, para meu desespero, o relógio de lá também não deixa esquecer: 21horas.
         Volto para o computador, sento e encosto na poltrona de couro preto, tão preto quanto o teimoso cursor.
         Continuo no desafio. Se não bastasse aquele piscar intermitente na telinha, o relógio do meu aparelho celular também me cobra rendimento: 21h30min: - Essa crônica sai ou não sai?
         Sai sim!
         Esse bloqueio, que acontece quando corro contra o tempo, é crônico em meus trabalhos de escrita. Sou uma principiante das letras que tem uma meta, uma metalinguagem a longo prazo. Ah! Como gosto desse termo longo, lon-go. Longo prazo- Sim! Definitivamente, é disso que eu preciso. De um prazo mais longo!...
         Maldito cursor!

Punho cerrado

Estou me cagando para a poesia
Ou para ‘aquela’ poesia
Não me interessam as loiras de Copacabana
Tampouco o rouxinol, a palmeira e a banana
Foda-se o rigor da forma e o padrão da escola
Eu quero mesmo é a autêntica arte do povo
A poesia tapanacara feita por necessidade
poço de autenticidade
carregada de acuidade
Como comer, respirar, cagar e trepar
Aquele que vomita as frustrações e inquietudes
             os olhares tortos e suas virtudes
   que não dão conta de suas vicissitudes
Poesia que não quer massagear o ego e ocupar o tempo
Satisfazer o vazio entre uma compra e outra
Para mostrar às amigas junto com a bolsa nova
Não quero poesia bossa-nova
Versos de praia ou de shopping
Quero mesmo é a fúria da rua
 ouvir a voz do gueto
 ver a cara do gato-preto
 punho cerrado letal como cianureto

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Haicais de inverno

01
Um sopro gelado
E assim vejo novamente
A minha São Paulo

02
Narizes vermelhos
Entre bochechas rosadas
Declaram o frio

03
Botas, cachecóis,
Luvas, gorros e casacos
Todos passeando

04
Tantos agasalhos
Colorem a paisagem
Da estação urbana

05
Cai a temperatura
Metade do ano se passou
Seguimos em frente

A mudez do dia a dia

É a mesma história de sempre: dar aquela procrastinadinha com o “Soneca”, repetir, tirar a TV do stand by, expurgar com pasta os resíduos de alimentos da boca, desodorante, roupa quente e sociável, carteira, celular, moleskine, caneta, copo de leite. Ônibus, outro ônibus, trânsito, caminhada. Agência. “Bom dia.” Computador. Água, café. Fone de ouvido, e-mail, zapeada na net. Escrever. Job. Escrever. Revisar. Ligação pra namorada. Almoço. Livraria. Caminhada. Agência. E-mail, escrever, água, revisar, job, revisar, café, escrever, job, água... Outra ligação pra namorada. Caminhada, ônibus, ônibus. Casa. Petisco. Kung fu. E-mail, redes sociais. Banho. Namorada. Cerveja, jantar, filme, livro. Namoro. Sono.


Caceta! É como a construção de um grande prédio que teima em não se concluir. Um ritmo infernal que martela sua cabeça sem que sobre espaço para intervenções imaginativas. A mesmice satura a criatividade e também molesta a afinidade. Nossos umbigos passam a ser a única preocupação na receita de bolo que se torna o dia a dia. Mas de vez em quando a gente acha uma nota graúda no chão pra borrifar um pouco de cor ao monocromático ritual diário. E ainda bem que excentricidades cósmicas como essa invadem nosso ostracismo particular para propiciar o parto de uma crônica bastarda.

Em São Paulo, com suas intermináveis fileiras de veículos que parecem veias dum colestérico sistema circulatório, passamos muito tempo dentro de ônibus e demais conduções, nos obrigando a ser criativos pra dar um chapéu no descontrole. Livros, revistas e a penca de entretenimentos disponíveis nos celulares são as opções mais apreciadas no hirsuto gato vira-lata que é o trânsito da City. Como paulistano, também costumo recorrer a essas opções, mas quando o busão está lotado demais ou não tenho algo pra ler, fico observando as pessoas enquanto garrancho coisas em meu confidente caderno de notas.

Numa dessas situações-puta-que-o-pariu, tive a felicidade de presenciar uma ruidosa discussão entre dois surdos. E entendam que o “ruidosa” aqui não se trata de ironia, metáfora ou qualquer tipo de figura de linguagem. Foi utilizado na plena acepção da palavra.



Eu era apenas mais uma figurinha desgastada dentro daquele ônibus, absorto numa leitura morfínica quando saí do meu costumeiro transe ao ouvir alguns sons semelhantes a tapas. Parecia quarto de puteiro. Desviei minha atenção por achar que se tratava de uma briga e estiquei o pescoço pra tentar saborear um pouco da confusão. De fato era uma briga, ou melhor, uma discussão, mas sem falas. Um casal trocava injúrias por sinais, diga-se, bastante agressivos. Eles gesticulavam estapeando suas próprias mãos, pernas, peito e todas as formas de percussão corporal que estivessem ao seu alcance para expressar descontentamento e agressividade, tudo somado ao frenético bailado manual da Libras. Os estampidos ricocheteavam por todo o ônibus e despertavam a curiosidade coletiva. O casal se sentou ao banco bem à minha frente. Fechei meu livro em definitivo, sem remorso.

Para aproveitar na íntegra a oportunidade que recebi, saquei moleskine e caneta e dei início aos parcos registros. Foi quando a discussão arremeteu para uma hostilidade quase assustadora. E, graças ao deus dos cronistas, com uma ajudinha dos milhares de carros à frente, eu era um espectador sentado ao camarote com tempo e ferramental suficientes para não deixar nada escapulir por entre os dedos.

Os dois exaltados não se contiveram e iniciaram uma nova etapa em sua discussão, desta vez apimentada por uma espécie de verborragia cacofônica, ou cacofonia verborrágica, cheia de grunhidos gemidos ganidos grasnidos urros bufos blateros bramidos arrulhos mm bha puu thãã gha khy. Tentativas desesperadas de verbalizar impropérios dos mais cabeludos que aqueles deficientes auditivos eram incapazes de lançar. E nem me venha com discurso politicamente correto, irado leitor, pois também não vejo graça na deficiência dos outros. Mas a situação toda não poderia deixar de receber a devida atenção pela sua originalidade, ao menos para um leigo em acaloradas discussões entre surdos.

A mulher era sangue nos olhos. Toda a fúria do mundo se via naquela vermelhidão capaz de amiudar seu companheiro, que se encolhia entre a besta-fera e a janela. O ímpeto de antes agora dava lugar a um camundongo acuado enquanto a felina prosseguia com seu solo percussivo e a cantoria tribal. O bumbo corpóreo deixava pálido o tácito rapaz, pávido pelos tapas que soavam como o boom de uma bomba.
O clap pam tum bam paf bum pow era tão espesso que dava pra cortar com uma faca. “Essa porra vai dar merda já já!”, pensei. O rapaz disse algo com as mãos e a o ódio puro concentrado desceu antes deles. Presentearam-se com olhares peludinhos, ela deitou a cabeça no ombro dele, ganhou uns afagos, puxaram a cordinha e foram perseguidos pelas janelas atônitas enquanto seguiam pela calçada feito folhas no outono.
Testemunhei a ânsia por falar aquilo que todos querem calar. E eu ali, mudo diante daquilo tudo, me pus a tagarelar pela ponta dos dedos. Resultado: uma crônica capaz de ocupar seu tempo.

O homem de palha


O palhaço não tinha uma casa, não tinha família, nem amigos. Não tinha conta bancária, nem um automóvel, tampouco um telefone celular. Nada de computador, nem uma bicicleta, sequer óculos escuros. Máquina fotográfica? Ele não tinha. Camisa de time? Também não. Anel de prata? Tsc tsc. Necas de e-mail, Facebook e MSN. Isqueiro ele não possuía, nem boné, squeeze, calculadora. Nunca teve um MP3 player ou um piercing. Entre seus pertences também não constava pochete, relógio ou barbeador elétrico.
Mas ele tinha um kit de maquiagem. Não era aquelas coisas, mas dava pro gasto. E pintava sorrisos em seu rosto. Não ficavam lindos como os do Piolim ou do Arrelia, mas a molecada gostava. Nem todos, alguns. Servia pra esconder a feição que não era tão agradável. Feio? Sim, mas não horrendo. As marcas da vida eram o problema. Preocupação, tristeza, saudade, frustração. Ô vida amarga! Só mesmo com muita cachaça pra aguentar. E esse era seu passatempo preferido. Mas quando botava a máscara, saía de cena o homem de palha. Daí ganhava coragem.
Para encarar o mundo.
Gostava de fazer os outros sorrirem, apesar que nem sempre dava certo. Mas mantinha o empenho em cumprir a profissão que havia escolhido. Fazer rir não é tão fácil quanto parece, pô! Preocupação. Tristeza. Saudade. Frustração. Isso arranca à força a vontade de rir de qualquer um!
Quando era pequeno, o avô pintou seu rosto. Um dia decidiu reproduzir a pintura. Tomou pra si, pro resto da vida, fizesse chuva ou sol. O avô bateu as botas. Ficou com as botas dele. E também com as roupas, largas pelo excesso de massas: pães, macarrão, porpeta e toda aquela gostosura italiana. Fartura que lhe rendeu seus uniformes de trabalho.
Ele também tinha um diário. Velho, arreganhado, acalcanhado, amarfanhado. Amarelado. Nele registrava o dia a dia e as tentativas de fazer sorrir. E foi nele que escreveu a história do circo onde morava. Ô cirquinho chinfrim do cacete! As lonas tinham buracos do tamanho de sua boa vontade. O picadeiro estava em péssimo estado. E a arquibancada? Mirrada, miúda, minusculinha. E mesmo assim nunca ficava lotada. Só dava um ou outro gato pingado. Falando em gato... Eram os únicos animais que habitavam o circo, vindos da rua, sempre rodeando em busca de comida. O ambiente era decadente e a bonança já não comprava ingresso há tempos. E não se tratava de Bonanza, a mulher barbada. Essa aí a pneumonia levou. Coitado do seu marido. Aaron, o Anão. Destemido feito um... Galo?! Ficou num estado de dar dó.
Mas palhaço que é palhaço não desiste fácil. A lagriminha pintada no rosto serve pra lembrar. Tanta coisa já passou... O sorriso ainda é maior! Às vezes o nariz vermelho pesava, mas agora ele tinha amigos. Feios, sujos e, alguns, malvados. Preocupação-tristeza-saudade-frustração faze um mal danado. Mas eram sua família. A única que tinha. Não era uma família que esbanjava exemplos. Nem todos eram lá muito queridos. Marauder, o Mágico, vivia recluso com cara de boldo. Sorrateiro, ilusionista, trapaceiro. Só pensava em si. Da cartola só tirava benefício próprio.
O circo não aguentava o peso da própria tenda. Estava prestes a desabar. Era difícil saber por quanto tempo mais resistiria.
Preocupação. Até quando?
Tristeza. O que será de nós?
Saudade. E pensar que faziam filas enormes pra nos ver.
Frustração. Ninguém mais dá bola pra circo!
Ainda assim, o palhaço mantinha o sorriso. E está tudo lá, registrado no diário.
Na capa:
ESPERANÇA

domingo, 3 de junho de 2012

Eu só queria tirar a penteadeira do quarto.






Quando a conversa começou, a penteadeira estava longe, bem longe dali.
Ficava exatamente na frente da cama do casal. Não era usada como tal. Era um móvel antigo, modelo Patente. Em cima do tampo, agora de vidro, desfilavam todos os santos-dela e budas-dele. Eram assim, complementares.
Naquele dia estavam na casa que construíram e elegeram para ser o refúgio. Dos dois. Juntos. Ao menos de corpo.
Jogados na sala da lareira, sentiam-se tão vazios que não sustentavam nem o fogo que teimava morrer. Morreu. E eles quase mortos, nem repararam. Estavam imersos numa banheira de vazio.
Ela bebia vinho tinto numa das dezenas de taças de cristal levemente rachadas. Não corria risco, sabia exatamente onde colocar os lábios para não cortá-los. Só não sabia, nunca soube, onde colocar as palavras que cortavam e insistiam em sair rasgando de sua boca.
Pra evitar o pior, escolheu um assunto desconexo, fachada de sua dor.
Ele começou a dedilhar as cordas novas do violão. Ele sempre usava esse escudo para se proteger do que vinha dela.
Deixou-a falar, se enroscar, tropeçar e cair na velha armadilha que armava a cada confronto. O silêncio. Velho e imbatível silêncio.
Se ainda fumasse, seria ao momento de se arrastando, sair à procura de um cigarro, acendê-lo, e voltar ao lugar de origem. Isso serviria para checar se ainda estava viva. Não fumava mais. Menos mal. Menos culpa. Menos margem para manobrar o desespero que sentia esquentar seu peito. Ou seria o vinho?
O que seria não importava. O fato é que lá estava ela de novo, encharcada de tristeza quente, e desarmada. Sua última proteção era a frase úmida que de tempo em tempo escorria de sua boca, eu não vou brigar com você, não vou.
Resistência curta. Desmoronou. Com a mão direita sobre o rosto começou a verter lágrimas ardidas. Exausta levantou-se, pegou a cachorra que dormia em seu colo sem se importar com o que acontecia de humano entre aqueles dois humanos e falou, e aí, vamos dormir?
Ele devolveu o que considerou quase uma ironia com um seco não.
Melhor assim, pensou. Seguiu sozinha para o quarto que ficava separado da casa. Passou pelo frio atrevido, pela chuva fina, pela escuridão apertada e depois de subir os mais longos quatro degraus de que se tem notícia pelas bandas da Serra da Mantiqueira, alcançou a cama.
Se dependesse dela, só acordaria quando conseguisse finalmente explicar que só queria mesmo era tirar a penteadeira do quarto.


segunda-feira, 30 de abril de 2012

Seco e esturricado















Ela era famosa.
Ele também.
Aliás, não se sabe até hoje quem alcançou maior fama, ele ou ela.
Em comum, a mesma morte. De resto, naturezas distintas.
Ela generosa.
Ele mesquinho.
Viviam na mesma terra.
Ele mais para dentro da cerca, passava os dias a triturar, coar, e armazenar sua mesquinhez.
Ela na beira da estrada, meio cá, meio lá, deixava a mostra toda frondosa generosidade.
E por estar assim tão exposta, ela era admirada pelos que passavam pela estradinha de terra. Muitos não resistiam e acabavam se aproximando mais e mais, até conseguir tocá-la. E ela que essencialmente era um ser que alimentava corpo e espírito de toda gente, se entregava.
Por isso ele não se conformava. Era tomado por um sentimento ancestral, a idéia de posse daquilo que na essência é de todos.
Nessa luta muda, os dois se engalfinhavam dia depois de dia.
A cada ataque recebido ela parecia ficar mais forte, e ele, mais cruel.
Foram doze anos assim.
A história ganhou montanhas e vales, voou de boca em boca e a cada vez que era contada, ele era amaldiçoado por sua ira dos infernos.
Ela velha ficou mais sedutora. Ele arqueado e sem viço.
Num dia de janeiro, estação das águas, imerso no seu negro rancor, ele resolveu dar fim ao que considerava ser um martírio.
Pegou um machado e seguiu rumo ao desfecho final.
Com dificuldade agarrou a ferramenta e quando estava pronto para dar o primeiro, do que havia planejado uma série de golpes, foi atingido por um raio.
Caiu sem não antes perceber que ela também fora atingida. O raio rachou ao meio seu poderoso tronco.
Morreram os dois. O homem e a mangueira.
O corpo ficou escorado num galho. Conheceu a morte ao lado daquela que havia tentado matar durante toda vida.
Dele, só restou pó.
Dela, um pedaço de tronco morto que virou banco.
Agora, onde quem outrora pegava manga senta para contar a história de um homem que de tão ruim, tão ruim, morreu seco e esturricado ao lado da mangueira que tanto odiou.

Haicais de outono

01
Tantas folhas douram
Enquanto a arte moribunda
Segue aprisionada

02
Um olhar perdido
O céu se apresenta cinza
Neste mar de pedra

03
A umidade sem cor
Prossegue em seu desatino
E eu quero fugir

04
Linhas paralelas...
Entreolham-se com desânimo
Reforçando o tédio

05
Malha de janelas
Esconde cada semblante
Deste torpe outono

terça-feira, 17 de abril de 2012

A vida e a lenda



                                                                  


Você cometeu um sacrilégio.
Não poderia sonhar o que sonhou.
Não deveria sentir o que sentiu.
Mas sonhou.
E transgrediu.

A cobra que mordeu seu dedo cospe veneno até hoje.
Você cometeu um sortilégio.
Dactilomancia.
Veneno escorrendo pelos dedos.
O tempo, pelas páginas de papel pautado.
Não pude abrir o seu arremedo de diário.

Covarde.
Você, não eu.
Por isso vou contar essa história

Eu, não você. 

segunda-feira, 2 de abril de 2012

Ladrão que rouba Ladrão...

- É um assalto!
- E eu, o que ganho com isso?
- Ganha?- Poderia me levar para jantar.
- Sou vegetariano.- Temos vinho!
- Do Porto?
- Não do Chico.
- Ah! Deixe de conversa e me passe logo essa carteira!
- Que me leve à vida então!
- Morreria por uma carteira?!
- Ora e você acha mesmo que minha carteira vale mais que minha vida?!
- Agora eu que não entendo.
- Então passe amanhã.- A que horas?
- Não se lembra homem? A de sempre.
- Mas é a primeira vez que nos vemos.
- Então não será a última, estarei aqui a esta mesma hora.
- Mas que horas são?- Não sei, dei aqui o seu relógio.
- Esta aqui. Ganhei de mamãe.
- Suíço?
- Não roubou de Genésio.
- Nossa me caiu como uma luva!
- Luva é o que não é.
- São cinco horas.
- Nos vemos então as seis, as cinco já marquei com Anastácio.
- Nos despedimos por aqui.
- Nos despedimos por aqui, então.

sexta-feira, 30 de março de 2012

Móbile







Aqui dentro.
Dentro do quarto.
Dentro do vazio dos grandes espaços.
Na impossibilidade de suportar o desequilíbrio
o homem inventou o móbile.
Parece que deu certo.
Agora é possível imaginar-nos  seres equilibrados
mesmo quando acima de nós
flutuam   in certezas.

domingo, 25 de março de 2012

Pina


Vestida de alma deixou seu corpo e foi para cama.

Era noite de gala.

Pena















Bailarinas aprisionadas alongavam os corpos 
e recostadas no vidro frio de suas almas seguiam dançando o mundo.



sexta-feira, 23 de março de 2012


Processo criativo da crônica Horário: drive in time
 Processo criativo da crônica- Horário:drive in time
A ideia de escrever uma crônica surgiu de uma possível proposta em aula: escrever um gênero que nunca havia escrito, experimentar. Com isto em mente, comecei a buscar temas do cotidiano. Essa busca também acontecia quando dirigia e, oralmente, simulava pequenos inícios de crônicas sobre o que me atingia, ofendia ou simplesmente tocava. Um dia, em que o tráfego estava intenso, surgiu a frase com que começo a crônica. Dirigir é exercício de meditação.
A afirmação me tocou, dado sua incongruência ou seu potencial de absurdo. Permaneci com ela alguns dias e, então, escrevi alguns parágrafos apenas tentando descrever o que encontrava em meu caminho. Com o exercício da descrição, um percurso surgiu e uma personagem começou a aparecer acompanhada de outras vozes que delineavam diversos caracteres do cotidiano. Creio que, como era um percurso, a personagem deveria chegar a algum lugar e chegou. Não sei precisar porque chegou onde chegou, um local tão absurdo quanto a própria afirmação inicial. Ficou o esboço de um pequeno texto forrado de frases feitas e vozes caóticas. Também um profundo incômodo de um texto ingênuo. Deixei o texto dormir e, quem sabe, dormiria para sempre, não fosse a necessidade de apresentar algo produzido neste tempo de curso.
Em minha mente conspiravam as diversas vozes e a progressão referencial (construção , desconstrução, desfocalização). Retomei o texto observando os elementos que impediam a progressão textual ou, ainda, a progressão da personagem em seu percurso urbano e seu mundo interno. Eliminei o óbvio e redundante de sentido, o que já estava implícito e não precisava ser dito. Ampliei vozes presentes e emudecidas. Assumi o contexto ingenuamente absurdo e fim.  Confesso que o incômodo permanece...